Sem apoio, futebol feminino sobrevive pela paixão de atletas
O futebol feminino no Brasil apresenta diferentes realidades. Há regiões com equipes que possuem estrutura própria, campos e alojamentos, como há outras que as atletas pagam do próprio bolso uniformes ou transporte e ainda conciliam as atividades dos treinos com o emprego.
Falta de políticas públicas, incentivo privado e profissionalização são alguns dos motivos que levam muitas meninas jogarem apenas por uma razão: a paixão pelo esporte.
A diretora de futebol feminino e técnica da equipe do Esporte Clube Comercial, de Mato Grosso do Sul, Romilda Campos, que luta incansavelmente pelo esporte feminino no estado, explica as dificuldades de conseguir investimentos para sua equipe. “Você vê times masculinos ganhando tanto, e por que não fazer isso com o feminino? Qual a diferença? É tudo esporte. Mas quando vai falar em futebol feminino a resposta é sempre não tem, não dá, não pode”, esclarece.
Equipe feminina do Comercial (MS) campeã do estadual sul-mato-grossense 2013 (Foto: Arquivo pessoal/Fernanda Bessa)
A modalidade feminina de futebol ainda é classificada como de modo não profissional por conta da liberdade de prática e inexistência de contrato de trabalho, com recebimento de incentivos materiais e patrocínio, de acordo com a Lei 9.615 capítulo III, da natureza e das finalidades do desporto. Como há tão pouco investimentos privados em forma de patrocínio e incentivo governamental, meninas ficam a deriva e a única saída é conciliar o esporte com a profissão, os treinos com os horários comerciais e se contentar, se tiver sorte, com uma bolsa/ajuda de custo.
A meio campista do Esporte Clube Comercial, Mirella Nunes, que jogou em Santa Catarina pelo Joinville Esporte Clube durante um ano, conta que a estrutura e o nível do esporte no estado catarinense são melhores, porém mesmo assim as jogadoras não ganham o suficiente. “A maioria das meninas de fora (do estado) que jogam não tem faculdade, optam por uma coisa só. Mas o dinheiro não é muito, elas não ganham muito bem. Dependendo, estudar ou trabalhar é melhor, só que a gente gosta de jogar”, comenta.
O presidente do Esporte Clube Comercial, Ítalo MIlhomem, fala sobre a realidade dos treinos da equipe feminina e como isso afeta no rendimento final. “Não tem uma condição de treinamento adequada, como treinar em dois períodos, acompanhamento técnico de alto nível e uma bolsa. Muitas meninas trabalham e não podem treinar durante o dia, porque tem outra renda, outras têm filhos. São várias situações que impendem o treinamento de alto rendimento”, explica.
A capitã da Seleção Brasileira Feminina Permanente, Bruna Benites, jogou pela equipe colorada por quatro anos e conta sobre a realidade do esporte feminino local. “As competições e as equipes diminuem a cada ano. Nos clubes que ainda lutam para manter as atividades a estrutura é precária. Isso prejudica o nível do futebol feminino. Isso é lamentável”, alega. Ela completa ainda que, “a profissionalização seja um começo. Acho que precisamos de uma mudança cultural. Profissionalizar a modalidade não significa que o futebol feminino será respeitado por parte das pessoas”, finaliza.
“Eu saio do serviço e às vezes estou meio cansada para treinar e não tenho o rendimento que teria se tivesse um tempo exclusivo para o treino. Mas como não tem opção, aqui no estado, principalmente, não tem apoio, o jeito é conciliar os dois por amor ao esporte mesmo. A paixão pelo futebol é o que mantém a gente aqui”, desabafa a atacante do Esporte Clube Comercial, Fernanda Bessa, que também é professora de Educação Física.
Para Ellen da Silva Gonçalves, que já jogou em times como o Operário (MS) e o Birigui (SP), e hoje atua pela Universidade Católica Dom Bosco, o futebol feminino também sofre a desvalorização da sociedade. “Preferem falar mal e não apoiar. Mais mesmo com tudo isso, nós do meio do futebol não ligamos, nos preocupamos em mostrar serviço e fazer o que gostamos que, por sinal, é jogar bola. Igualdade é o que falta no futebol. Se o masculino pode, com o feminino não poderia ser diferente”, desabafa.
Ellen Gonçalves em partida no Jogos Universitários Brasileiro de 2014 (Foto: Arquivo pessoal)