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Da rua para os gramados


A jogadora ingressou na Seleção Permanente em setembro do ano passado (Foto: Rafael Ribeiro/CBF)

A atacante Rafaela Travalão de 27 anos atualmente faz parte da Seleção Brasileira Feminina Permanente. Natural de Promissão (SP), a jogadora conta como uma brincadeira de criança na rua transformou-se em uma carreira profissional bem sucedida. Iniciou profissionalmente aos 15 anos e passou por vários times como Botucatu (SP), Santos (SP), XV de Piracicaba (SP), Associação Ferroviária de Esportes (SP) e Boston Breakers dos EUA. Sua meta para este ano é a conquista da medalha de ouro nas Olimpíadas do Brasil.

Como e quando começou a se interessar por futebol e decidiu jogar profissionalmente?

Eu gosto de futebol desde quando me entendo por gente, pois meu pai é ex-jogador, então eu venho de uma família que gosta muito de esporte. Desde pequena jogava com os meninos na rua, e acho que é a realidade da maioria das meninas no Brasil. Jogava com a molecada na minha cidade, até meus 15 anos, quando disputei um campeonato em Marília (SP), ainda no meio dos meninos, e um treinador de futebol feminino da cidade na época me viu e falou com meus pais. Eu comecei a treinar no Marília em 2004 com as meninas e de lá nunca mais parei.


Houve preconceito dos amigos e/ ou familiares pela sua escolha profissional ou ao contrário, incentivos e apoio por parte deles?

Minha família sempre me incentivou muito, até hoje meu pai e minha mãe são fanáticos por futebol e nunca faltou apoio. As piadinhas aconteciam sempre quando eu estava no meio dos meninos, algumas maldosas por eu ser a única menina que estava no meio deles, mas eu nunca liguei pra isso. Sempre gostei de jogar futebol e nunca deixei de ir a um treino, jogo, ou algum lugar porque alguns meninos faziam algum tipo de piada.


O futebol feminino é um esporte ainda não muito valorizado no país. O que te manteve firme para seguir na profissão de jogadora?

A princípio eu nunca pensei que seria uma profissional no futebol, eu brincava com os meninos e todos eles tinham o sonho de ser jogador. Como era criança e ainda não via uma ascensão do futebol feminino ou ouvia falar muito, acho que não tive esse sonho, depois que foi acontecendo. Eu nunca deixei de estudar. Cada vez fui vendo que o futebol ficou cada vez mais concreto e nunca mais quis parar. Depois do Marília eu fui pro Botucatu em 2006, onde comecei a disputar o campeonato paulista, fui tricampeã e atuei lá até 2009.


Qual a maior dificuldade que uma menina que sonha em jogar futebol pode esperar enfrentar? Qual você enfrentou e ainda enfrenta?

Há 12, 13 anos atrás eu acho que a maior dificuldade era a falta de estrutura, não tinha escolinhas só para meninas, tinha-se que praticar o esporte junto com os meninos. Acredito que hoje melhorou muito isso. Você já vê, mesmo que pouco ainda e que deveria ser muito mais, que existem escolas só para as meninas. A maior dificuldade que enfrentei foi que não era um esporte muito reconhecido e era pouco divulgado.


Muitas vezes no Brasil, por não ter um incentivo muito grande igual em outros países, não estar em um clube de ponta que disputa campeonatos, ou em uma seleção, fica difícil se manter financeiramente no futebol. Eu já vi amigas que preferiram largar o futebol para trabalhar ou voltar a estudar e conseguir se sustentar financeiramente. Eu, graças a Deus, desde quando sai de casa tive boas oportunidades. No começo não ganhava muito, mas tinha ajuda dos meus pais, e de uns anos pra cá já consigo me manter muito bem na profissão.

Para você, porque meninas ainda encontram problemas para ingressar em times de futebol, o esporte ainda tratado como masculino ou a falta de apoio de entidades?

O Brasil vem avançando muito no futebol feminino, mas precisa melhorar muita coisa. Acho que nosso país que tem a cultura do futebol como um esporte masculino e isso tem atrapalhado um pouco as coisas. Mas agora já vem surgindo campeonatos fortíssimos e a gente torce para que cada vez mais as entidades responsáveis por isso crie e incentive os estados e municípios.

Como conquistou a vaga na seleção permanente?

Tive passagem em 2008 pela Seleção sub-20, onde disputei o sul-americano e mundial, depois voltei em 2013 em convocações normais e 2014 também tive passagens. Já em 2015, quando estava atuando nos EUA, fui convocada, tive a chance de ir a Copa do Mundo no Canadá. Quando voltei para os EUA em setembro de 2015 tive o convite de ingressar na seleção permanente e aceitei. Esse ano não acertei com nenhum time e continuo na permanente.


O tratamento das mulheres no futebol do exterior é diferente? Como foi a experiência?

Foi muito boa a experiência. O país respira futebol feminino, uma liga americana fortíssima e disputadíssima, muito nivelada, nível físico e tático altíssimo. Foi muito proveitoso e pretendo voltar aos EUA mais pra frente, porque eu me encantei com o modo que eles tratam o futebol feminino.


A gente ia dar “coach” para as meninas sub-10 e sub-11 do nosso time e visitava as escolinhas, dava treinos para elas e você percebe nitidamente a diferença de preparação. Elas já treinavam igual ao profissional, não sei até que ponto isso é bom ou ruim, mas pelos resultados que os EUA veem obtendo ao longo desses anos, acho que a gente tem que se espelhar sim no futebol lá fora, pegar as coisas boas e tentar trazer pra gente.

E atuar pela primeira vez em uma Copa do Mundo no elenco principal, como foi?

Foi a realização de um sonho que achei que ainda ia demorar muito para realizar. Copa do Mundo é um evento fora do comum para os atletas de futebol, é o evento máximo em organização, emoção e nível técnico.


Como é jogar ao lado de grandes exemplos de mulheres e profissionais, como Marta e Formiga?

Jogar ao lado da Marta e Formiga é a realização de outro sonho e uma coisa que acho que toda menina quando começa a jogar futebol deve sonhar. Elas são dois ícones nacionais e mundiais no futebol, e aqui dentro da seleção são duas amigas e companheiras que não tenho do que reclamar. Duas pessoas humildes brincalhonas, que tratam todo mundo igual e que jogam muito futebol.


Momento descontraído da Rafaela (no canto direito) e outras jogadoras após treino da Seleção (Foto: Arquivo pessoal)


Qual sua expectativa para as Olímpiadas?

As Olímpiadas acho que é quase o mesmo peso de uma Copa do Mundo. Um evento mundial, uma medalha que o Brasil ainda não tem neste esporte, seria um feito inédito, ainda mais na nossa casa. Nós estamos treinando forte, então a expectativa é que consigamos fazer um bom trabalho. Estamos focadas em busca da medalha de ouro.


Esse projeto da Seleção Permanente está nos ajudando nisso, estamos dando o melhor da gente. As expectativas são as melhores, o time cresceu muito, percebemos isso no Mundial e apesar de não conseguirmos chegar nas semis, vimos que brigamos de igual para igual com muitas seleções.


Além da falta de falta incentivo das instituições desportivas, você acredita que o futebol feminino não tem o apoio merecido de grande parte da mídia esportiva?

Acho que não temos que ficar comparando o futebol feminino e masculino no nosso país. Ainda queria eu ver um dia os dois igualados. Vem melhorando muito, mas a gente torce para que cada dia mais a impressa e todo o tipo de mídia possam estar com a gente. Que se comece a falar mais sobre futebol feminino.


Marco Aurélio Cunha afirmou recentemente que agora as “meninas” do futebol feminino brasileiro se vestem com shorts curtos, usam maquiagem, arrumam o cabelo e vão a campo de maneira elegante. Isso repercutiu de forma muito negativa. O que você achou desta afirmação?

Acredito que ele não falou com maldade nenhuma, e sim quis dizer que o futebol feminino sempre foi um esporte masculinizado culturalmente. Que no nosso país ele é tratado como esporte de homem e que agora as meninas estão se vestindo melhor, deixando o cabelo crescer, não estão querendo ser homens. Isso para mim não importa, pra mim cada um tem que ficar do jeito que se sente bem.


Ele é uma pessoa que ajuda muito a gente e o futebol feminino tem crescido muito depois que ele entrou na coordenação, pois é um cara influente no esporte e realmente ama a gente e nos tem como filha. Acho que ele não falou isso de modo negativo.


Você acredita que no futebol mulher só "serve" como musa?

Eu não acredito que mulher só sirva para musa no futebol, mulher serve para jogar futebol, desenvolver o esporte, praticar ele, não só como musa. Acho que é uma iniciativa legal, bem-vinda, mas não só pra isso.

As mulheres além da desvalorização social, ainda precisam lidar com a objetificação sexual e os comentários hostis sobre sua sexualidade e /ou racismo. Como você lida com essa situação?

Acho que as pessoas preconceituosas, que fazem certos tipos de comentários, não merecem a nossa atenção. Eu procuro focar em outra coisa, isso não me abala nem um pouco. Procuro pegar as coisas boas e levar para minha vida e é isso que tenho feito.


Para você, chega desse papo de... ?

Chega desse papo que futebol não é pra mulher!

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